sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Como identificar um bom professor


Artigo publicado em 10/02/2013 na revista VEJA

 GUSTAVO IOSCHPE é economista
Vou fazer uma pergunta fácil: você teve algum professor especial, que fez diferença na sua vida? Se você passou mais de dez anos estudando, aposto que não apenas a resposta foi positiva, como imediatamente lhe veio à mente aquele(a) professor(a). Agora, uma pergunta mais difícil: você poderia descrever as qualidades desse professor especial, de forma que seus atributos pudessem ser copiados por todos os outros professores em atividade?
Uma série de estudos demonstra que um bom professor exerce influência substancial sobre seus alunos, não apenas durante o período escolar mas por toda a vida. Boa educação melhora a saúde, diminui a criminalidade e aumenta o salário. Eric Hanushek, pesquisador de Stanford, calcula que um professor que esteja entre os 25% do topo da categoria e que tenha uma turma de trinta alunos gera, a cada ano, um aumento na massa salarial desses alunos de quase 500000 dólares ao longo da vida deles. O problema é que, mesmo que todos saibam intuitivamente quem é um bom professor, ainda não conseguimos explicar e decompor o seu comportamento de forma que seja possível identificar os bons profissionais, promovê-los e reproduzir a sua atuação. Os estudos estatísticos, que se valem de dados facilmente quantificáveis, nos trazem alguns bons indícios - por exemplo, a experiência do professor só importa nos dois a cinco primeiros anos de carreira; professores que faltam as aulas têm alunos que aprendem menos; professores que obtiveram notas melhores em testes padronizados, estudaram em universidades mais competitivas e têm mais habilidade verbal exercem impacto positivo sobre o aprendizado dos alunos; quanto mais sindicalizados os professores, mais eles faltam e mais insatisfeitos estão com a carreira; e professores com expectativas mais altas para seus alunos também obtêm resultados superiores. Essas são todas variáveis "de fora"; estudos mais recentes começam a entrar na escola e na sala de aula e tentam explicar os componentes de um bom professor.
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"Você seria capaz de descrever as qualidades daquele professor especial que teve no passado, de forma que os atributos dele pudessem ser copiados por todos os outros professores em atividade? Essa é uma pergunta difícil"
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Um estudo lançado em janeiro representa um grande passo à frente (esse e todos os outros estudos citados aqui estão em www.twitter.com/gioschpe). Patrocinado pela fundação Bill & Melinda Gates, ele conseguiu criar um "mapa da mina" para a identificação de bons professores, depois de acompanhar milhares de professores e alunos em sete distritos escolares americanos (incluindo Nova York, Dallas e Denver) ao longo de três anos. Normalmente, só cito neste espaço estudos publicados em revistas acadêmicas ou simpósios, que são revisados e criticados por outros acadêmicos, porque é pequena a probabilidade de uma fundação privada reconhecer em um relatório que, "depois de três anos de esforços e milhões de dólares gastos, não encontramos nada de relevante". Nesse caso, porém, creio que a exceção é justificada, não apenas por se tratar de uma fundação séria, que chamou pesquisadores renomados para o trabalho, mas também por seu design inovador.
Em 2009-2010, o estudo tentou criar instrumentos que identificassem professores competentes. Chegou a um menu de três itens: observação de professores em sala de aula, questionários preenchidos pelos alunos e ganhos dos alunos em testes padronizados, ou seja, quanto os alunos daquele determinado professor ganhavam em aprendizado de um ano a outro nesses testes (equivalentes ao nosso Enem ou Prova Brasil). Fez-se um trabalho cuidadoso para estabelecer quem deveria observar os professores, quantas vezes e olhando para quais dimensões; como inquirir os alunos; e, no quesito valor agregado, teve-se a precaução de controlar uma série de variáveis dos alunos (status social, situação familiar etc.) para que se pudesse isolar a qualidade do professor, não do aluno.
Mesmo com todos esses cuidados, ainda há muito que não sabemos nem controlamos que pode interferir nos resultados. Pode ser que os melhores alunos procurem os melhores professores, ou que os melhores professores escolham dar aulas para turmas ou séries melhores, e aí o que pareceria o impacto do professor seria uma complexa interação entre professores e alunos que inviabilizaria qualquer análise. (Seria como examinar a eficácia de um médico julgando apenas a taxa de cura dos seus pacientes. Se os casos mais complicados procuram os melhores médicos, ou se os melhores médicos procuram os pacientes mais intratáveis, é provável que os melhores médicos e os piores tenham pacientes com expectativa de vida similar, apesar de terem competências radicalmente distintas.) A fundação então conseguiu fazer o que se faz nas ciências exatas para isolar o efeito de uma variável: no ano seguinte, distribuiu os professores aleatoriamente. A turma a que cada um ensinaria foi totalmente determinada por sorteio. Mais de 1000 professores, atendendo mais de 60000 alunos, participaram. E os resultados são fascinantes.
Em primeiro lugar, a performance esperada dos professores ficou muito próxima da performance real (ambas medidas pelo aprendizado de seus alunos). Ou seja, os professores identificados como bons através das observações de seus pares, questionários de alunos e valor agregado em anos anteriores continuaram, grosso modo, sendo bons professores ensinando a turmas aleatoriamente escolhidas.
Em segundo lugar, foi possível sofisticar o modelo. Testaram-se quatro variações das ferramentas de avaliação dos professores, e notou-se que uma das melhores combinações era aquela que dava peso igual (33% a cada um) aos três componentes (performance em teste, observação e questionário de alunos). Quando alguns professores reclamam que é reducionismo avaliá-los somente pela performance de seus alunos em testes, aparentemente têm razão: é melhor adicionar essas duas outras variáveis. Também se testaram vários modelos diferentes de observação docente, desde aquele em que o professor é avaliado por seu diretor até versões mais complexas. Os modelos mais confiáveis se mostraram aqueles em que o professor foi avaliado por pelo menos quatro observadores, em aulas diferentes, sendo dois deles pessoas da administração da escola (é importante que seja mais de uma para evitar a influência de conflitos/preferências pessoais) e dois, outros professores, treinados para a tarefa.
Nenhum estudo é definitivo, muito menos um feito por uma fundação, e nada garante que os mesmos achados serão encontrados no Brasil, ainda que normalmente o que apareça nos Estados Unidos também se verifique aqui. Mas, ante o modelo atual, obviamente fracassado, em que o professor é contratado por concurso no início da carreira e depois fica esquecido em sua sala de aula, fazendo o que bem entender e sendo promovido por nível de estudo e experiência, o horizonte descortinado por essa pesquisa é bem mais promissor. Precisamos encontrar e premiar os bons professores. E ter ferramentas objetivas e mensuráveis para tirar os maus profissionais da sala de aula. Sem isso, dificilmente sairemos dessa pasmaceira.

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